sábado, 30 de outubro de 2010

O tempora! O mores!

Ao procurar na internet algo interessante sobre o argumento "filologia", eis que me deparo com o seguinte texto, conclusão de um artigo publicado pelo site http://www.filologia.org.br/revista/36/07.htm  "O ablativo absoluto é naturalmente apenas um pensamento à parte, uma observação separada, como se fosse um virtual par de parênteses. É tão excessivamente encapsulado e condensado que perde os caracteres mórficos de pessoa, número e gênero (nos particípios há gênero), dispensando conectivo oracional e se justapondo ao parágrafo unicamente com uma vírgula. Apresenta as formas de particípio presente ou passado em ablativo. Tem força de persuasão tanto quanto um silogismo. E Aristóteles, em sua Arte Retórica, se o examinasse, talvez lamentasse o fato de a língua grega tê-lo perdido e concentrado no genitivo este papel gramatical. É que o ablativo é o caso genuinamente latino, por isso, os outros idiomas podem imitá-lo, estabelecendo interfaces, mas não emparelhá-lo absolutamente"

O grifo é nosso. Marca duas expressões que realmente não compreendi. A primeira afirmação (de que o ablativo absoluto perde os caracteres mórficos de pessoa, número e gênero) não se confirma, por exemplo, nesta simples estrutura sintática: "Cicerone cenante nuntius litteras Quinti attulit.": será que o participio "cenante" perdeu os caracteres mórficos de número e gênero? (Como perderia esses caracteres pois o participio ablativo deve concordar em genero, número e caso com o seu sujeito "Cicerone"?). Sabe-se que o ablativo absoluto é equivalente a uma proposição subordinada, cujo sujeito não exerce nenhuma função na proposição principal, e constituída por um nome (sujeito da proposição) e de um particípio presente ou perfeito que concorda com o sujeito em gênero, número e caso (ablativo, naturalmente).
Quanto à segunda afirmação, isto é, o fato da língua grega ter perdido o ablativo a tal ponto de merecer o lamento de Aristóteles que provavelmente o comentaria em sua Arte Retórica, também vai contra este fato da glotologia clássica: o único resquício atestado do que teria sido o ablativo na língua grega é o sufixo -φί, conservado somente na língua homérica, sempre com valor instrumental, ou para designar a companhia, ou o locativo, portanto, inapto para suprir a função de ablativo absoluto (cf. August Schleicher,Leo Meyer, Compendio di grammatica comparativa dello antico indiano, greco ed italico, p.323-324 ). A não ser que tenham descoberto algum papiro, pergaminho ou epigrafe inéditos que testemunhem o emprego do ablativo na língua grega! Pelo que eu saiba, a língua grega não perdeu o ablativo! A sua função gramatical indo-européia é que foi assumida pelo genitivo!
O que me espanta é que estas afirmações partem de letrados e não de simples estudantes. O tempora ! O mores!!!
AVRELIVS

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