quarta-feira, 7 de abril de 2010

Χριστὸς ἀνέστη ἐκ νεκρῶν

A imagem acima representa a "Anastasis" (ressurreição, em grego), num sarcófago cristão do século IV. O monograma de Cristo, isto é, as duas primeiras letras da palavra grega CHRISTOS (XP), representam o Cristo ressuscitado; as duas figuras na parte exterior representam os soldados que guardavam o túmulo.
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Segundo os canones da análise retorica bíblica e semítica, ao lermos um livro da Sagrada Escritura devemos estar atentos a uma "melodia" que dá sentido a cada uma das perícopes que compoem o texto daquele livro e desvendam a relação mais profunda existente entre as mesmas. Assim como ao ouvir uma música, não prestamos atenção às notas consideradas em si mesmas, isoladamente, mas quase que "institivamente" apreciamos a melodia, que dá sentido à composição da música. Também ouvindo somente o "final" da música, não podemos entender nada.
Esta observação, ao meu ver, é muito importante para entender os relatos sobre a Ressurreição contidos nos Evangelhos, comumente proclamados na festa da Páscoa, relatos estes que representariam, na comparação acima, às últimas notas da melodia do Evangelho.
Retomando a idéia inicial, no texto bíblico não há notas isoladas, mas uma melodia. por essa razão não podemos tomar os ultimos capítulos esquecendo do resto. Esta é a nossa tendência, porque o nosso modo de entender e interpretar é segundo os cânones da retorica greco-latina: por exemplo, quando lemos um livro ou um artigo lemos em primeiro lugar a conclusão para verificar a qual ponto o autor chegou. Se a conclusão mostra-se interessante, em seguida iniciamos a leitura da introdução e, talvez, o restante do texto.
Todavia, segundo a retórica bíblica, a chave de leitura não está na conclusão, mas no centro de uma estrutura literária. Assim sendo, a parte principal do Evangelho está entre o nascimento e a morte e ressureição de Cristo, que formam a "moldura" dos evangelhos. E justamente no centro podemos perceber um movimento, um desenrolar dos fatos baseado na locomoção de Jesus aos mais diversos locais da antiga Palestina. E neste movimento podemos identificar uma passagem, uma Páscoa (do hebraico Pessach, que significa justamente "passagem")
Assim sendo, não podemos reduzir o mistério pascoal de Cristo aos últimos capítulos do Evangelho. Ao isolarmos o relato da Ressureição do seu contexto maior, corremos o risco de cair no mais barato fundamentalismo e esvaziar o seu real significado para a fé cristã.
Segundo a mesma retórica bíblica, mesmo nas sessões singulares que formam a melodia do Evangelho, o centro é muito importante pois contém a chave de interpretação destas pequenas unidades, que geralmente consiste numa pergunta; isto vale principalmente para o Evangelho segundo S. Lucas, rico em estruturas concêntricas. No capítulo 24 deste evangelho, que narra o episódio da Ressurreição, podemos indentificar dois momentos: aquele que narra o anúncio da ressurreição às mulheres, que por sua vez anunciam aos Apóstolos, e aquela passagem que narra a aparição do Cristo aos discípulos de Emaús. Em ambas perícopes temos uma pergunta no centro de suas respectivas estruturas literárias: na primeira perícope temos: "por que procurais o vivente entre os mortos?" e na segunda: "não devia, talvez, o Cristo sofrer tudo isso (isto é, a paixão) para entrar na sua glória?" Nesta última perícope o Cristo tomando a Lei e os Profetas (isto é a Torá e os Nevihim, duas das três partes da Escritura hebraica) explica aos discípulos o sentido dos fatos que acabavam de acontecer naqueles dias em Jerusalém. Na verdade essas perguntas são direcionadas ao leitor (ou ouvinte) destes relatos, a fim de chamar sua atenção e provocar uma reflexão: no primeiro caso, a chamada de atenção para o "procurar o vivente entre os mortos" e, no segundo, a importância das Escrituras Hebraicas para compreender o mistério do Cristo.
Aproveitando as festas pascais, faço esta pequena observação sobre como a abordagem literária da Sagrada Escritura pode nos ajudar a entender melhor estes textos que parecem já não dizer nada de novo, quando tomados isoladamente e sem critérios de análise.
AVRELIVS