sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Pierre Grimal: A LITERATURA LATINA (parte II: a poesia arcaica)

É com a poesia que há início a literatura latina. Essa faz os seus primeiros passos contemporaneamente com a epopéia e com o teatro. Múltiplas são as razões que presidem a este desenvolvimento: algumas devem ser procuradas na situação da literatura grega contemporânea, no papel desempenhado ao mesmo tempo pela tradição homérica e pelas representações teatrais na cultura helênica; outras, por sua vez, dependem das condições próprias de Roma. Antes da literatura escrita existia uma literatura oral, os assim chamados “carmina convivalia”, cantos recitados por jovens, durante os banquetes, para elogiar os grandes homens do passado. A influência da civilização etrusca havia difundido o conhecimento dos mitos gregos que se fundiram com as lendas populares. Temos um eco deste repertório pré-literário nas pinturas das necrópoles etruscas arcaicas, onde é possível ver representadas aventuras de guerra (como aquela de Macstarna, que é provavelmente um episódio da história romana) e lendas épicas (como o sacrifício dos prisioneiros troianos sobre a tumba de Patroclo). É muito provável que o passado mais remoto de Roma tenha se transformado, então, muito cedo, matéria “literária”: antepassados das gentes, reis, e sobretudo Romulo, o fundador da cidade, todos deviam figurar com suas empresas nestes poemas rudimentares. O metro utilizado era provavelmente o “verso saturnio” (assim chamado por causa da lenda segundo a qual Saturno seria o primeiro rei mítico do Lácio), do qual, todavia, não conhecemos que formas relativamente tardias e já literárias. Parece que era composto de dois membros não-iguais, o primeiro formado geralmente por três palavras (de duas sílabas as duas primeiras e de três silabas a terceira), o segundo compreendendo duas palavras de três silabas cada uma (segundo o modelo que nos foi transmitido pelo primeiro verso da Odyssia de Livio Andronico: Virum, mihi, Camena \ insece versutum ; existiam, todavia, outras combinações possíveis, como resulta, por exemplo, do verso de Nevio: Fato Metelli Romae \ fiunt consules , no qual há uma partição diferente das palavras de duas e três silabas). A recitação vinha acompanhada com a lira, que escandia o metro. A influencia exercida por estes “cantos conviviais” sobre a literatura latina não se deixa colher facilmente. Um tempo se supunha que esses cantos constituíssem a primeira forma de história e contribuíram a formar as lendas que os críticos modernos amavam, no passado, apontar na tradição dos historiadores posteriores (sobretudo em Tito Livio). Hoje há uma concordância em reduzir a sua importância e em considerar que se desenvolveram à margem da história, não a substituindo. É certo, todavia, que prepararam as variantes nacionais de dois gêneros gregos: a épica romana e a fabula pretexta, representação dramática que faz dos próprios romanos os novos heróis da cena. O primeiro autor de língua latina é um ex-escravo originário de Taranto, chamado Lívio Andronico. Parece que foi conduzido a Roma em 272 a.C., após a conquista de sua pátria por obra do exército romano. O jovem Andronico tinha, então, oito anos. O seu senhor era um senador, Lívio Salinatore, que o libertou após confiar-lhe a educação dos filhos. Dada a tenra idade de Lívio quando da sua chegada a Roma, é fácil supor que nesta cidade ele tenha adquirido a própria cultura, cidade na qual o grande número de escravos e libertos, mas também de homens livres, mercadores, artesãos, etc. originários das cidades da Itália meridional, fizera corrente o conhecimento e a prática do grego. O mérito de Lívio não foi tanto de introduzir em Roma a literatura grega, mas de conceber a possibilidade de uma literatura em língua latina, sobre o modelo das obras gregas. Ele compôs ao mesmo tempo tragédias, comedias e uma epopéia, fundando assim os três gêneros que teriam dado origem, muito cedo, a uma extraordinária florescência, com as obras dos seus contemporâneos e dos imediatos sucessores: Nevio, Plauto, Ennio e Pacuvio.
(tradução Aurélio Lima Correia OSB)

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